sexta-feira, 5 de julho de 2019

Filho a gente leva

Se tá bom, leva na natação
Se tá mal, leva na consulta
Na semana, leva na escola
No sábado, leva no aniversário
No verão, leva no parque
Na chuva, leva na conversa
Se precisa, leva no colo
Leva no supermercado e no restaurante
Na barriga, leva um tempão
E quando sai leva no coração

segunda-feira, 24 de junho de 2019

Rejeição

Um dos meus principais gatilhos da ansiedade é a rejeição. Eu me sinto muito ansiosa quando acho que fui deixada de lado por qualquer motivo. Quando me sinto excluída e deslocada.

Eu sempre valorizei os meus laços e já fui muito boa em manter amigos. Um dia parei de me esforçar para não perder conexões, muitos amigos moram fisicamente longe e ainda somos próximos, então não há porque me preocupar tanto em perdê-los.

Não que essa preocupação não deva existir, demonstrar carinho por quem amamos é uma boa maneira de valorizar o outro e fortalecer as conexões, é comum ao ser humano a necessidade de se sentir incluído e receber afeto. Mas eu acho que me preocupava demais.

Era como se existisse o risco de as pessoas que eu gosto irem embora sem mais, sem despedida. Era como se um dia eu as encontrasse na rua e não houvesse o que falar, o que contar e saber.

Acredito que os laços se fortalecem e afroxam de maneira natural, de acordo com a afinidade e o momento da vida. Horas estou mais perto de algumas pessoas e em outros momentos tenho mais afinidade com outras. O que não significa que as primeiras vão sumir do meu radar ou gostar menos de mim.

Isso foi a maturidade que me ensinou, houve uma época em que mudei para um lugar novo sozinha e não tinha com quem sair e conversar, então eu deixei que pessoas que eu não tinha afinidade entrassem na minha vida, eu me esforcei para me aproximar de qualquer pessoa que estivesse disposta a me incluir em alguma parte de sua vida e foi maravilhoso.

A maioria das pessoas daquela época não ficaram na minha vida, mas ainda lembro daqueles que toparam dividir parte de suas vidas comigo, das coisas boas que me trouxeram como momentos divertidos, compania e outras visões de mundo tão diferentes das que eu trazia. Estar aberta me transformou.

Antes disso eu era de poucos amigos. Em partes porque eu sempre tive a sorte de ter bons amigos e gostava de dedicar meu pouco tempo livre a eles, em partes porque já fui muito tímida, tinha a autoestima tão baixa que achava muito difícil fazer novos amigos. Sempre me sentia inferior e desinteressante e não conseguia ser espontânea.

Ainda tenho um pouco desse desconforto, quando estou em um grupo novo ou de pouca intimidade eu fico insegura, penso que podem me julgar e não gostar de mim. Meu coração da até uma acelerada de ansiedade, a diferença é que hoje eu consigo ser espontânea mesmo não lidando bem com rejeição porque sou um pouco mais autoconfiante.

E eu também me abro para pessoas que não tenho afinidade porque sei que elas podem me trazer coisas boas, melhorei no quesito relacionamento desde a época da escola, na qual eu não tinha amigos e  me sentia péssima comigo mesma. Eu estava deslocada e ainda assim não queria me relacionar com pessoas que pensava não serem tão legais. Preferia ficar sozinha.

Talvez a origem do desconforto social que me acompanhou parte da vida e deixou resquícios seja a escola, eu tinha certeza de que eu não era boa, bonita e interessante o suficiente para merecer a atenção das pessoas. Talvez esse gatilho da rejeição seja tão forte porque há parte de mim que ainda habita nessas crenças.

Mas eu era, eu era divertida, criativa e inteligente. Eu queria correr até os corredores de todas as escolas que eu estudei para me convencer de que era maravilhosa. Cantar as músicas que eu compunha, recitar as poesias que eu escrevia, falar de todo o amor que existiu, existe e existiria só pra mim. Todas as aventuras. Falar da coragem que quase nunca faltou. Das loucuras, das gargalhadas.

Pra nunca esquecer, pra nunca deixar que ninguém me faça pensar o contrário. Pra lembrar de quem eu sou mesmo se alguém que amo e admiro me diga que não sou boa o bastante, não sou forte e suficiente ou seja lá a mentira que for...foi...

Esse gatilho da rejeição fica mais fraco quando eu consigo me conectar com a minha essência e perceber em quantas mentiras acredito até hoje sobre mim mesma. Às vezes precisamos nos resgatar.

quinta-feira, 13 de junho de 2019

Relatos #compulsãoalimentar2

Qual é o lixo que eu tento varrer para debaixo do tapete? Normalmente quando estou em um abismo emocional, que é como chamo o estado em que pensamentos negativos vem a mente de maneira acelerada e repetitiva e a ansiedade aumenta substancialmente, é quando a compulsão vem. As palavras chaves dos meus abismos emocionais são fracasso e não aceitação.

Percorrendo a minha história facilmente encontro situações nas quais eu me senti fracassada e não aceita, escrevi um pouco sobre isso no meu texto Medo. Superar a compulsão alimentar está diretamente ligado a reconhecer quando estamos em um abismo emocional e achar um caminho de volta para a serenidade, a parte difícil é que o único caminho de volta para a serenidade é olhar o lixo todo e inevitavelmente sentir dor, aceitar o medo, a frustração e tudo o que vier.

Uma mulher a quem admiro me disse na adolescência que se eu quisesse ofender meus oponentes em discussões bastava que eu os chamasse de frustrados, pois essa é uma ofensa certa uma vez que todos somos frustrados por um motivo ou outro. É verdade, a diferença é como lidamos com as nossas frustrações, a nossa vulnerabilidade e todas as decisões ruins que fazem parte de qualquer vida.


terça-feira, 11 de junho de 2019

Relatos #compulsãoalimentar1

Porque quero falar de compulsão alimentar. O que eu sei? Que não é possível super compulsão alimentar só com dietas, que dietas restritivas apenas intensificam a compulsão, que é preciso entender os gatilhos para pausá-los, quanto maior o número de vezes que forem pausados menos aparecerão ao longo do tempo.

O que eu ganho durante um episódio de compulsão alimentar é o alívio imediato da minha ansiedade, eu tenho associado os meus episódios de compulsão alimentar com televisão mais frequentemente porque isso funciona como uma anestesia para o desconforto. Assim eu consigo distrair a mente dos sentimentos negativos e sentir apenas prazer.

Eu acho que não vale o custo x benefício. Depois do episódio de compulsão, além de eu ter que lidar com o meu desconforto emocional muitas vezes tenho que ligar com o desconforto gástrico causado por grandes quantidades de comida ou alimentos que contém grande teor de açúcar e outras substâncias que causam mal estar. Mesmo sabendo os contras eu volto a esse comportamento.

Tive a ideia de falar sobre compulsão alimentar para acertar mais em pausar meus gatilhos. Com todas as informações que tenho hoje sobre compulsão e alimentação de qualidade sei que dieta nenhuma vai me ajudar  não importa em quantos nutricionistas, endócrinos ou clínicas de estética eu vá. Fui a muitas boas nutricionistas nos últimos anos que me ensinaram sobre alimentação e saúde e foi super válido, porém infelizmente só informação não cura.

Embora terapia e grupos de ajuda foram eficientes. Sei que existem milhões de pessoas no planeta na mesma luta que eu, sei que todos os compulsivos precisam de apoio e há momentos em que o apoio é fundamental para enfrentar a jornada de cura, mas o meu momento agora é organizar todo o conhecimento que já adquiri ao longo de mais de vinte e cinco anos e efetivamente refletir e aplicar na minha vida.

Sim, tenho compulsão alimentar desde a infância e posso seguramente dizer que há mais de vinte e cinco anos, mas durante todo esse tempo houveram anos em que eu estive muito bem, sem oscilação de peso e sem qualquer indício de compulsão. Alguns elementos são comuns nas épocas em que estive bem: Eu me sentia segura no meu relacionamento afetivo, no trabalho, fazia exercícios físicos intensos (ajudava com a ansiedade) ou tinha o cigarro como válvula de escape.

Eu gostava de fumar na janela do meu quarto, sentia um prazer enorme fazendo isso como se o cigarro fosse uma pausa das minhas angústias. Eu fumava muitas vezes mais de um cigarro para prorrogar o prazer e depois inevitavelmente tinha que lidar comigo mesma como é com a comida. Eu já não fumo mais há anos porque o cigarro destrói o corpo e se fumo tenho menos energia.

Alguns especialistas em reabilitação dizem que vício em comer é mais complexo que vício em álcool, cigarro, drogas e sexo, pois não vivemos sem comer. Faz bem a um viciado abandonar o objeto de seu vício, o cigarro e algumas drogas recreativas só fazem mal. Porém, sobre alguns casos de dependência, há benefícios em uma boa e esporádica taça de vinho, pessoas se viciam em analgésicos e outras substâncias que aliviam a dor, sexo é uma necessidade biológica. Não seria melhor entender a compulsão e achar um equilíbrio?

Realmente a comida envolve um leque amplo de complexidades pois o nosso corpo muda de acordo com a quantidade e qualidade de alimentos que ingerimos e esse aspecto é ligado a estética e aos padrões de beleza, então a alimentação, além da compulsão, envolve outros distúrbios como a anorexia e a bulimia. A ausência de comida ou o excesso de açúcar no sangue podem ser fatais e essa verdade pode fazer que enxerguemos a comida como algo ruim.

Uma das primeiras coisas que aprendi foi a importância de fazer as pazes com a comida, a comida pode ser nossa aliada nos oferecendo energia para uma rotina atribulada através de nutrientes e vitaminas que também ajudam nossos órgãos a funcionarem melhor e nos deixam mais bonitos e bem humorados. A comida é boa, essa é a lição mais básica de todas, aprender a usar a comida como aliada para inclusive evitar a compulsão.

Comer lanches saudáveis durante o dia, beber água e sentir prazer durante as refeições são armas contra a compulsão. É menos provável que aconteça um episódio de compulsão se não estamos sentindo fome, se estamos hidratados e se temos prazer na alimentação do dia a dia. Aprendi que não precisamos sofrer com uma alimentação restritiva ou ingerindo alimentos que não gostamos, há opções saudáveis e deliciosas e são esses alimentos que vão nos ajudar.

Aprendi com as nutricionistas que é muito mais eficaz, principalmente em casos de compulsão, acrescentar alimentos saborosos e nutritivos na dieta a restringir alimentos calóricos. Mesmo que comer pasta de amendoim com banana bem madura ou iogurte com frutas secas e castanhas (...) seja mais calórico na hora do lanche do que uma maçã, é menos provável que haja compulsão se foi prazeroso e adequado em termos de nutrientes no dia.

Podemos descobrir receitas mais saudáveis (e não necessariamente menos calóricas) para nossos pratos preferidos, aqueles que envolvem memórias afetivas e nos trazem conforto e podemos descobrir pratos de baixas calorias deliciosos para equilibrar na próxima refeição. Uma nutricionista me ensinou a me focar mais no meu corpo, nas sensações físicas, ele mesmo pede e encontra um equilíbrio em dias atípicos, se a alimentação típica tiver qualidade e for adequada.

Mesmo que a comida seja nossa aliada e pensando que por sorte não precisamos comer coisas que não nos dão prazer (comer sem prazer para quem gosta de comer é bem difícil) existe sofrimento sim envolvido em uma jornada de cura para a compulsão alimentar pois os gatilhos que levam a compulsão são gerados por stress, sentimentos ruins sobre a vida e nós mesmos para os quais precisamos olhar. Só conseguimos pausar o gatilho se olharmos para aquilo que estamos tentando evitar durante o episódio de compulsão.

Uma outra coisa legal que aprendi é que a cura não é sobre ter controle, é sobre aceitar o descontrole de algumas situações difíceis nas quais nos encontramos, aceitar a dor e o sofrimento para depois sentir paz e escolher conscientemente atitudes não destrutivas, mesmo que essas não sejam construtivas, mesmo que só reste a opção de respirar fundo e entender que não há mesmo como resolver dada situação, mas vai passar. Porque tudo passa e se transforma.

A cura é sobre lidar com frustrações e toda uma ideia que temos de nós mesmos, crenças que nos foram apresentadas durante uma vida e nunca questionamos porque tampouco as enxergamos. É sobre entender tudo que ganhamos e perdemos com a escolha de ter uma vida diferente, uma vida sem a compulsão. A cura é sobre conhecer limites e essências. Envolve dor.






quarta-feira, 21 de novembro de 2018

Passeio de hoje


Hoje eu sinto amor. Apenas amor. Hoje eu sou amor.

Eu gosto de caminhar pelas ruas de Moema, me sinto viva com o movimento da cidade e fico feliz ao passar com os meus filhos nas paisagens da minha infância e perceber que mudamos, eu e os lugares.

E quando eu chego no meu trabalho e olho todos aqueles rostos, penso que nada mais poderia ter me tirado do lugar comum tão brutalmente quanto conviver com cada pessoa com quem dividi a mesa do almoço e compartilhei risadas e fofocas. As vezes frustrações, as vezes cerveja. Eu aprendi tanto com o que disseram, com o que eu vi e com o que foi me acontecendo. Eu fiz quase todos os dias o meu melhor e me transformei.

Hoje eu andei por aí fazendo as mesmas coisas que eu faço todos os dias cheia de mim mesma. Hoje eu me sinto tão eu  usando o meu tênis azul preferido e falando das coisas nas quais acredito. 

Hoje eu acredito mais.

Eleições

Hoje eu estava voltando da fisioterapia (ferrei a coluna, parte muscular) e resolvi almoçar na padaria. Um dos meus pequenos e frequentes prazeres nos dias chuvosos é almoçar cappuccino e pão de queijo na padaria e hoje caprichei, ignorei o pão de queijo integral e pedi logo o tradicional com uma torre de catupiry em cima. Depois passei no supermercado pra comprar quatro itens que preciso levar a um jantar de noite e o caixa de poucos volumes estava quebrado e as outras filas estavam gigantescas. Então entrei no caixa prioritário e quando fui questionada por estar ali estufei a barriga de pão de queijo e disse "gestante não pode?"

Esse fato me fez pensar nas eleições. Minha família vai votar no Alckmin, Bolssonaro ou Amoedo. O pessoal do meu trabalho é Haddad, eu trabalho com gente que diz que só estudou porque contou com o Proune, só tem casa própria porque com muito esforço juntou 15 mil e financiou pelo Minha Casa Minha Vida e que todos os partidos sem exceção são corruptos, agora mudar vida só PT muda. Tem uma mulher que sustenta marido e filhos com salário mínimo + bolsa família, o marido não arruma trabalho e eles moram faz um ano em um assentamento sem terra porque não conseguem pagar aluguel. No trabalho é 80% essa realidade.

Já em Moema nós temos grupos de empreendedores e empresários, de moradores unidos pela segurança, de apoio materno (s2), de revitalização de praças e muitos outros, e por causa das redes sociais que conectam a gente o tempo todo eu sei que a situação está feia em relação a segurança, essa semana já foram três assaltos no bairro à mão armada com direito a tiro. Nessas horas me da uma vontadezinha de votar no Bolssonaro porque gente, eu quero me sentir segura quando andar a pé no meu bairro segurando meu guarda-chuva pink em direção a padaria e não sei como conseguir isso, aí quando alguém fala que vai aumentar a segurança o olho até brilha.

Mas eu fico pensando nessa questão de cidadão andar armado e todos os acidentes que acontecem, tipo esses adolescentes loucos que saem por aí matando geral, ou até mesmo um conhecido que era depressivo e se matou com a arma do pai, ou gente que atirou em civil achando que era legítima defesa por engano. Eu acho muito legal fortalecer a polícia, eu estive no mundo dos concurseiros e sei que tem gente que nasceu pra ser policial porque é idealista mesmo e quer fazer diferença, acho que esses meninos e meninas devem ser muito mais valorizados. Mas o que acontece se a polícia corrupta for fortalecida com mais poderes de ação? Falo desses casos não raros de policiais que matam suspeito a sangue frio sem mesmo ter crime comprovado.

Eu acho ótimo reduzir a maioridade penal, diminuir a flexibilidade com infrações e deixar criminoso preso na cadeia sem indulto disso e daquilo. Mas as cadeias estão abarrotadas com ladrão de galinha junto com estuprador e não tem proposta de divisão por enquadramento ou reabilitação social quando pertinente, vai enfiar essa galera toda onde gente?

Sobre as propostas para a Educação, tem mesmo que acabar com a aprovação compulsória e fazer seja lá o que for pra colocar disciplina nas escolas porque eu, como funcionária da Educação, sei que as escolas públicas são roubadas e sucateadas pela própria comunidade e os professores muitas vezes vão trabalhar com medo e de fato são agredidos por alunos e precisam ser omissos. Os Diretores de Escola acabam fazendo acordo territorial com traficantes locais ou PCC pra garantir a segurança da escola. A educação, que é a base de uma sociedade em ascenção, é uma piada de mal gosto.

Gosto de privatização e terceirização. Não faz sentido o Estado controlar o que não é estratégico. Desde que as merendas, a segurança e a limpeza foram privatizadas na Educação os custos para o Estado de fato reduziram, mas é questionável o aumento da eficiência desses serviços. O problema da privatização é a corrupção, os processos licitatórios não são transparentes e empresas que não cumprem o contrato por ineficiência estão operando em troca de propina para funcionários públicos que fazem vista grossa na supervisão. Será que trocando os gestores desses contratos a propina seria recusada? A grana é bem alta.

E esse negócio da carteira de trabalho opcional verde e amarela que o jovem pode escolher para trabalhar sob outras regras que não são a CLT? É mesmo o jovem desempregado que vai escolher ou a empresa? Só pensando, esse ponto não preocupa porque está dentro das questões da reforma trabalhista e é necessário mesmo repensar as relações de trabalho, o mundo mudou e embora Carl Marx seja atual em suas reflexões ele perdeu uma parte importante do processo que envolve novas tecnologias e trabalho imaterial depois que bateu as botas. Só não entendi ainda porque o Bolssonaro é contra a reforma da previdência, a previdência é uma bomba relógio.

Não acho pertinente comparar Bolssoraro com Hitler porque estamos em um outro momento político mundial onde não se pode tão facilmente sair queimando gays e ateus, eu sei que tem acontecido coisas equivalentes na África e Oriente Médio por exemplo, mas relativizações a parte, não acho um cenário próximo pra gente. Agora pensar em uma ditadura é pertinente, não na ditadura dos nossos pais, mas um outro tipo de ditadura que tem como centro o desequilíbrio de poderes, com um Estado que fortalece o poder de polícia e restringe os direitos dos cidadãos que não podem reivindicar as injustiças que acreditam que sofrem porque não há mais espaço para reivindicar.

O problema principal que vejo nesse caminho de ordem quase unilateral é a corrupção no seu sentido mais amplo (nem tudo que é ilegal é imoral e nem tudo que é imoral é ilegal) e em todas as esferas. As pessoas que ocupam cargos chave no executivo, legislativo e judiciário teriam que ter mesmo reputação ilibada, índole reta e valores incorruptíveis, porque não é de um homem só que se faz uma nação. E os cidadãos deveriam ser engajados na fluidez social, incapazes de sonegar impostos, fazer gato na TV a cabo do vizinho ou fingir que tem direito às filas prioritárias dos estabelecimentos

Medo

Hoje me perguntaram qual meu maior medo. Eu já tive medos que me deixaram literalmente paralisada, com falta de ar e taquicardia. O primeiro que consigo lembrar foi o medo de não ser aceita, eu sentia que não pertencia a nenhum grupo e a nenhum lugar. Acredito que esse foi o medo que me perseguiu por mais tempo e que me assombrou das maneiras mais cruéis.

Eu cresci escutando que não era boa o suficiente porque era gorda, inútil e incapaz. Diziam que se eu continuasse gorda nunca teria um namorado e a minha maneira de me expressar era inadequada. Também escutei muitas vezes que era bonita, criativa e inteligente, talvez tanto quanto escutei o contrário, mas não sei por qual motivo acreditei no pior.

Quando se chega na idade adulta é mais fácil entender a dinâmica dos jogos emocionais das relações, todos queremos afeto, porém entendemos o afeto e lidamos com a falta dele de maneiras muito variadas. Na maior parte das vezes não vale a pena tentar entender a visão do outro, cada um tem que mergulhar no seu próprio universo caso queira buscar paz.

O medo fez com que eu parecesse uma criança travada, embora sempre tive uma essência extrovertida e brincalhona que só as pessoas mais íntima puderam conviver. Na escola durante o ensino fundamental eu me sentia muito insegura, não conseguia interagir com as outras crianças e me relacionar mesmo tendo vontade. Não tinha amigos.

Já no ensino médio eu fiz amigos e passei a ter problemas de comportamento na escola quando percebi que chamar a atenção era uma maneira de fazer parte dos grupos mais populares, mas mesmo com a aceitação dos colegas da escola eu me sentia coadjuvante em qualquer situação.

Não conseguia ser espontânea, estava a maior parte do tempo angustiada e de tão moldada às expectativas alheias e movida pelo pavor de não ser aceita  soterrei a minha personalidade, me escondia dentro de roupas largas ou tentava imitar outras meninas com corpos e gostos que não eram os meus. Acreditava que se eu perdesse peso e ganhasse o meu próprio dinheiro seria tudo diferente.

Curiosamente no campo amoroso transitei mais tranquilamente, acredito que eu sempre fui muito boa nas relações mais íntimas porque ao me sentir confortável com alguém eu conseguia me expressar, o que era uma necessidade enorme. A minha baixa autoestima atrapalhava minhas relações afetivas, mas nunca tive medo de me relacionar ou pensei que não fosse merecedora de amor.

O meu segundo maior medo foi não conseguir me manter. Me sentia péssima pelo meu jeito desastrado, acreditava que era burra e não conseguiria realizar nenhuma tarefa tão bem como outras pessoas eram capazes de fazer. Levei essas crenças para o ambiente profissional e me sentia muito insegura ao apresentar ideias, falar a minha opinião ou simplesmente interagir, me sentia acuada frente a figuras de autoridade.

Eu me pressionava para conseguir estabilidade em um emprego porque não queria mais depender do meu pai financeiramente. Cresci escutando o quanto as coisas eram caras e difíceis e o quanto era sacrificante arcar com o meu custo. O meu pai tinha um comportamento que variava entre dois extremos, ele podia ser um pai extremamente amoroso como também podia ser violento a ponto de me machucar fisicamente e dizer coisas que me fragilizavam.

Não conseguia enquadrar o meu pai no papel do vilão porque tivemos uma relação divertida na minha infância e eu me sentia protegida, me sentia valorizada quando ele se interessava mais do que qualquer pessoa pelo meu hobbie de escrever e ilustrar histórias. Na adolescência ainda éramos próximos, morei com ele por muitos anos e tivemos momentos bons.

Porém por volta dos meus dezesseis anos começamos a brigar e ele reagia com  violência, tanto física quanto verbal, além de trazer as situações que mais me machucavam para as discussões.
Agora eu não sei mais porque brigávamos, talvez porque eu não estudava o suficiente, chegava tarde em casa e nunca ouvia uma ofensa calada. Sempre brigávamos por motivos estúpidos e depois passávamos um tempo tendo um bom relacionamento, o que me deixava confusa.

Pensava que ele estava cuidando de mim como sabia e que por eu sempre revidar os xingamentos tinha culpa compartilhada nas discussões. Hoje eu sei que fui vítima porque ele era o adulto e era mais forte do que eu. Eu não tinha qualquer condição de me defender das investidas físicas e não tinha clareza ou maturidade para encontrar a melhor maneira de me defender.

Quando finalmente olhei para a situação com mais discernimento senti raiva de mim por não ter ido embora da casa do meu pai nas diversas chances que eu tive. Depois eu entendi que a minha falta de reação era fruto da minha autoestima naufragada, eu me sentia incapaz de prover o meu próprio sustento e frágil demais para enfrentar uma vida com mais autonomia.

Eu não acreditava em mim e por isso eu inventava desculpas para permanecer na casa do meu pai “ fico até terminar a graduação ou até eu me sentir estável nesse emprego”. Durante muitos anos eu também acreditei que poderia consertar as coisas com meu pai, que nós poderíamos superar todas aquelas brigas e dar um desfecho para as memórias doloridas que eu gostaria de não ter.

Um dia percebi que eu romantizava a realidade para não ter que lidar com toda a dor de aceitar a minha história, ainda me incomoda lembrar. Meu pai e eu convivemos bem hoje por não morarmos juntos e não nos questionarmos sobre nada, mas principalmente pela constante presença dos meus filhos que suaviza ao redor de onde quer que estejamos.

Eu perdi o medo de não conseguir me manter financeiramente, eu acredito em possibilidades infinitas e em uma rede de pessoas de bem que me cercam e amam. Hoje eu não consigo mais saber se ainda tenho algum medo desses que paralisam, talvez apenas frustrações com as quais tenho que lidar.