quarta-feira, 21 de novembro de 2018

Medo

Hoje me perguntaram qual meu maior medo. Eu já tive medos que me deixaram literalmente paralisada, com falta de ar e taquicardia. O primeiro que consigo lembrar foi o medo de não ser aceita, eu sentia que não pertencia a nenhum grupo e a nenhum lugar. Acredito que esse foi o medo que me perseguiu por mais tempo e que me assombrou das maneiras mais cruéis.

Eu cresci escutando que não era boa o suficiente porque era gorda, inútil e incapaz. Diziam que se eu continuasse gorda nunca teria um namorado e a minha maneira de me expressar era inadequada. Também escutei muitas vezes que era bonita, criativa e inteligente, talvez tanto quanto escutei o contrário, mas não sei por qual motivo acreditei no pior.

Quando se chega na idade adulta é mais fácil entender a dinâmica dos jogos emocionais das relações, todos queremos afeto, porém entendemos o afeto e lidamos com a falta dele de maneiras muito variadas. Na maior parte das vezes não vale a pena tentar entender a visão do outro, cada um tem que mergulhar no seu próprio universo caso queira buscar paz.

O medo fez com que eu parecesse uma criança travada, embora sempre tive uma essência extrovertida e brincalhona que só as pessoas mais íntima puderam conviver. Na escola durante o ensino fundamental eu me sentia muito insegura, não conseguia interagir com as outras crianças e me relacionar mesmo tendo vontade. Não tinha amigos.

Já no ensino médio eu fiz amigos e passei a ter problemas de comportamento na escola quando percebi que chamar a atenção era uma maneira de fazer parte dos grupos mais populares, mas mesmo com a aceitação dos colegas da escola eu me sentia coadjuvante em qualquer situação.

Não conseguia ser espontânea, estava a maior parte do tempo angustiada e de tão moldada às expectativas alheias e movida pelo pavor de não ser aceita  soterrei a minha personalidade, me escondia dentro de roupas largas ou tentava imitar outras meninas com corpos e gostos que não eram os meus. Acreditava que se eu perdesse peso e ganhasse o meu próprio dinheiro seria tudo diferente.

Curiosamente no campo amoroso transitei mais tranquilamente, acredito que eu sempre fui muito boa nas relações mais íntimas porque ao me sentir confortável com alguém eu conseguia me expressar, o que era uma necessidade enorme. A minha baixa autoestima atrapalhava minhas relações afetivas, mas nunca tive medo de me relacionar ou pensei que não fosse merecedora de amor.

O meu segundo maior medo foi não conseguir me manter. Me sentia péssima pelo meu jeito desastrado, acreditava que era burra e não conseguiria realizar nenhuma tarefa tão bem como outras pessoas eram capazes de fazer. Levei essas crenças para o ambiente profissional e me sentia muito insegura ao apresentar ideias, falar a minha opinião ou simplesmente interagir, me sentia acuada frente a figuras de autoridade.

Eu me pressionava para conseguir estabilidade em um emprego porque não queria mais depender do meu pai financeiramente. Cresci escutando o quanto as coisas eram caras e difíceis e o quanto era sacrificante arcar com o meu custo. O meu pai tinha um comportamento que variava entre dois extremos, ele podia ser um pai extremamente amoroso como também podia ser violento a ponto de me machucar fisicamente e dizer coisas que me fragilizavam.

Não conseguia enquadrar o meu pai no papel do vilão porque tivemos uma relação divertida na minha infância e eu me sentia protegida, me sentia valorizada quando ele se interessava mais do que qualquer pessoa pelo meu hobbie de escrever e ilustrar histórias. Na adolescência ainda éramos próximos, morei com ele por muitos anos e tivemos momentos bons.

Porém por volta dos meus dezesseis anos começamos a brigar e ele reagia com  violência, tanto física quanto verbal, além de trazer as situações que mais me machucavam para as discussões.
Agora eu não sei mais porque brigávamos, talvez porque eu não estudava o suficiente, chegava tarde em casa e nunca ouvia uma ofensa calada. Sempre brigávamos por motivos estúpidos e depois passávamos um tempo tendo um bom relacionamento, o que me deixava confusa.

Pensava que ele estava cuidando de mim como sabia e que por eu sempre revidar os xingamentos tinha culpa compartilhada nas discussões. Hoje eu sei que fui vítima porque ele era o adulto e era mais forte do que eu. Eu não tinha qualquer condição de me defender das investidas físicas e não tinha clareza ou maturidade para encontrar a melhor maneira de me defender.

Quando finalmente olhei para a situação com mais discernimento senti raiva de mim por não ter ido embora da casa do meu pai nas diversas chances que eu tive. Depois eu entendi que a minha falta de reação era fruto da minha autoestima naufragada, eu me sentia incapaz de prover o meu próprio sustento e frágil demais para enfrentar uma vida com mais autonomia.

Eu não acreditava em mim e por isso eu inventava desculpas para permanecer na casa do meu pai “ fico até terminar a graduação ou até eu me sentir estável nesse emprego”. Durante muitos anos eu também acreditei que poderia consertar as coisas com meu pai, que nós poderíamos superar todas aquelas brigas e dar um desfecho para as memórias doloridas que eu gostaria de não ter.

Um dia percebi que eu romantizava a realidade para não ter que lidar com toda a dor de aceitar a minha história, ainda me incomoda lembrar. Meu pai e eu convivemos bem hoje por não morarmos juntos e não nos questionarmos sobre nada, mas principalmente pela constante presença dos meus filhos que suaviza ao redor de onde quer que estejamos.

Eu perdi o medo de não conseguir me manter financeiramente, eu acredito em possibilidades infinitas e em uma rede de pessoas de bem que me cercam e amam. Hoje eu não consigo mais saber se ainda tenho algum medo desses que paralisam, talvez apenas frustrações com as quais tenho que lidar.

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