terça-feira, 3 de maio de 2016

Relacionamento Abusivo

O medo da violência ainda existe porque a violência ainda existe.

Ela nunca me respeitou como homem ou como indivíduo, ela já me ofendeu pelo meu gênero, pelos meus traumas e também pelos meus valores e opiniões. Por não conseguir me afastar completamente dela eu fui testando uma distância na qual estivesse seguro para não correr o risco de desrespeitá-la. Até eu entender que não existe distância segura, até eu começar a implementar a maior distância possível.

Até eu me conformar que ela sempre me deu aquilo que teve pra dar e que suas oscilações são fruto de qualquer coisa que eu não poderia nunca entender, amenizar ou me responsabilizar. Eu suspeito que ela não conhece uma relação de paz, pois vive dizendo que sente falta de quando estávamos juntos, tempos esses que foram péssimos, violentos, cheios de brigas, desrespeito e muito, muito medo.

Como sempre também existiu afeto entre nós e como paradoxalmente ela fez muito por mim, eu posso entender e me perdoar por não ter percebido que eu estava em um relacionamento abusivo. Eu entendo as outras pessoas que também estão ou estiveram em um relacionamento similar. Elas olham para o afeto que está tão misturado com a violência e ficam tentando separar. Não da pra separar, mas tem uma hora da nossa vida que a gente não vê que não da pra separar.

Quando a violência e a falta de respeito vão ficando mais frequentes a nossa autoestima vai caindo proporcionalmente, até que chegamos a duvidar se somos culpados por provocar a violência em quem está nos violentando. A maioria das vezes a violência é tão emaranhada com o afeto que as pessoas que estão olhando a situação de fora também não percebem, principalmente quando não há feridas visíveis. E se ninguém percebe ou reconhece a violência, ela se propaga como algo natural.

Quem apanha dentro de casa pode não denunciar por medo, vergonha ou simplesmente por acreditar que aquele machucado foi resultado de um momento de descontrole de uma briga comum, de uma relação comum. Quem sofre assedio moral contínuo dentro de casa pode não perceber tão evidentemente a relação abusiva como perceberia se fosse no trabalho ou na rua, pode acabar acreditando que é normal escutar ofensas constantes. Relacionamento abusivo pode existir em diversas relações familiares e de amizade, não apenas em casais.

Acredito que algumas pessoas crescem em ambientes cheios de relacionamentos abusivos e para elas é ainda mais difícil se ver no papel de vítima e ver a outra pessoa no papel de agressor. Ainda mais quando os moldes desse tipo de relação saem do clichê homem e mulher (casal) e se dão entre pais e filhos, irmãos, professor e aluno, funcionários de uma mesma empresa etc. Eu sempre soube que meu relacionamento com ela estava errado, mas acreditava que era só o temperamento dela, fruto da infância conturbada, o que também não deixa de ser.

Foi com o tempo, terapias, leituras e um grande poder de reflexão que eu acredito que hoje tenho que eu percebi que não era só isso. Percebi que ninguém no mundo nunca poderia ter me batido ou humilhado tanto. Então eu abri mão de ter uma relação com ela, embora confesso que as vezes me pego pensando que poderíamos chegar ao ponto em que só existe afeto. Mas não é possível separar, já sei.