sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Intimidade

A intimidade é um dos sentimentos mais bonitos que duas pessoas podem construir porque é um dos únicos que só existe mediante reciprocidade. Vivenciar a intimidade pareia indivíduos em qualquer relação e em qualquer circunstância.

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Rota X


P38776 dirigiu na velocidade permitida naquela via rumo à oficina mecânica. A cada 200 quilômetros percorridos P38776 precisava ir à oficina mecânica arrumar o seu veículo.

Chegando à oficina encontrou P11144444 que estava a espera do conserto do seu veículo com problemas idênticos aos do veículo de P38776. A cada 200 quilômetros encontravam-se ali, na oficina.

P38776 - Frio, não?

P11144444 - ô!

P38776 – E por qual rota seguirá agora?

P11144444 – Pois bem, posso seguir pela rota A e pela rota X.

P38776 - E quais as perspectivas?

P11144444- Estou muito envolvido com a rota X, embora eu tenha 50% de chances de chegar ao fundo do poço, 35% de chances de chegar a um abismo e 12% de chances de chegar a lugares terríveis jamais previstos e imaginados. E possuo 3% de chances de encontrar a felicidade plena.

P38776 - Ah, entendo. Mas a rota A deve ter seus encantos.

P11144444 - A rota A é bastante promissora, tenho 75% de chances de encontrar a satisfação e chances equivalentes a 10% de encontrar a alegria, contra 15% de chances de pegar estradas tortuosas que levam a caminhos insalubres e perigosos.

P38776 – Bom, parece que sabemos por qual rota seguirá.

P11144444 - Sim – disse P11144444 olhando para os pés, rosto rubro, olhos vidrados – vou pela rota X.

P38776 meneou a cabeça, franziu a testa e abriu a boca levando os dedos espalmados para cima, quase que em um sinal de contenção. Porém, foram interrompidos pelo mecânico avisando que havia finalizado o conserto do veículo de P11144444. Esse, ainda envergonhado, rapidamente acenou para P38776 sem olha-lo nos olhos e seguiu seu caminho.

Dois anos depois P38776 dirigia na velocidade permitida naquela via rumo à oficina mecânica quando avistou P11144444 que por ali passava.

P38776 – Há quanto tempo não o vejo! Temos que marcar um churrasco com o pessoal.

P11144444 – Sem dúvidas, vamos combinar o mais breve possível.

P38776 – Preocupei-me com você, esperava encontra-lo na oficina para... ah, vejo que não cometeu nenhum desvario! A rota A foi generosa, seu veículo está em perfeito estado!

P11144444 – Fui pela rota X.

P38776 – Pois teve a sorte de chegar até a felicidade plena!?

P11144444 – Oh não! Cheguei ao fundo do poço. Isso logo após alcançar lugares terríveis jamais previstos e imaginados nos quais fiquei preso por longos períodos, impedido de voltar.

P38776 – Que coisa horrível! E obvia. Mas creio que aprendeu a lição e agora vai fazer escolhas mais acertadas. Está claro que foi por isso que nunca mais o vi na oficina.

P11144444 – Não – disse P11144444 contendo o riso no canto direito dos seus lábios entreabertos – Na rota X eu aprendi a consertar meu veículo permanentemente e quando aqui voltei já sabia como mantê-lo intacto. Não preciso mais ir à oficina.

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Algemas

Parece que há algemas em meus pés. E eu queria que houvesse de fato, pois se pudesse sentir o frio do metal ao em torno dos meus tornozelos a minha estagnação ganharia sentido. Os maiores problemas são a liberdade, a independência, a maioridade e o livre arbítrio. Agora não sei como usar nada disso ao meu favor. Tantos olhares expectantes me são lançados aqui! Gostaria que vissem as algemas em meus pés.

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Amanhã

Vivem como se não fossem morrer, como se a velhice não os esperasse amanhã. Envelhecem encenando a juventude subjetiva, travestidos de plásticas, cremes e modismos. Maquiando a decadência natural do corpo e mascarando, ao mesmo tempo, os indícios da maturidade. A ingenuidade da juventude parece diva porque vive no mundo das possibilidades, a maturidade é inerente à adaptação e aceitação de histórias imutáveis, mas quase sempre engrandecedoras. Por que o tempo é negado entre os nossos?

Acho louco pensar que pessoas vão morrer agarradas aos valores superficiais sem nem mesmo entender os motivos de suas frustrações.

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Magnólia

Falei para a atendente da Satarbucks que chamo Magnólia. Talvez por bipolaridade, mas é pouco provável. Acho que é porque eu gosto de inventar. Comecei inventando um amigo imaginário na infância, era um rato azul. E na escola eu inventava acontecimentos mirabolantes com algumas amigas e depois contávamos para as outras meninas que ficavam morrendo de inveja das nossas histórias fantásticas. Uma psicóloga juvenil poderia dizer que éramos jovens deslocadas tentando nos encaixar e construir nossas identidades através de uma vida imaginada, inventada, ou seja, de mentira. Mas eu nunca vi as nossas criações como mentirosas embora esteja certa de que essa é uma forma de ver as coisas. Penso que éramos um grupo de meninas criativas demais para nos limitarmos ao palpável. Há uma linha muito tênue entre a mentira e a imaginação, por exemplo, gosto de olhar as pessoas nos restaurantes e imaginar como se chamam, o que fazem, onde moram, como vivem e o que pensam do mundo. Muito provavelmente as minhas suposições não condizem com as vidas dessas pessoas, mas constroem narrativas de personagens que interagem comigo no maravilhoso campo das possibilidades. Quando os divido com grupos de amigos todos se divertem e percebo então que muita gente adora brincar de suposições, usar os estereótipos e criar personagens que se deslocam da concretude, deixam de ser indivíduos desconhecidos perambulando nos shoppings, restaurantes e transportes públicos para existirem no mesmo espaço e tempo, mas como ideias que vem e vão. Então Magnólia entra na Starbucks e pede um brownie de doce de leite e um chai latte quente. Ela está com o rosto horrível, poderia estar doente ou ter passado a tarde toda chorando, porém só está cansada de mais um dia de férias, ela trabalha como cozinheira onze meses por ano e sai de férias durante um mês porque seus patrões assim determinam, certamente não por vontade própria. Odeia sair de férias, nunca tem dinheiro para viajar, não tem interesse em fazer turismo na cidade de São Paulo e fica sempre extremamente entediada. Seu marido é professor e trabalha de noite, chega cansado e só lhe faz companhia aos finais de semana. Como ambos moram perto da Avenida Paulista, Magnólia tem saído aos finais de tarde para se presentear com pequenos luxos como quitutes feitos por outras pessoas, embora pensa que os faria melhor e não valem o que custam. Magnólia tem distúrbios de ansiedade e faz tratamento com medicamentos controlados. Também é compulsiva por açúcar refinado e sexo, o que ninguém imagina à primeira vista. Senta no sofá confortável da Starbucks e sente-se afundar, gosta da sensação. Decide começar um planejamento para o resto das suas férias, ainda faltam quase vinte dias, quer algo que se aproxime da ideia que tem de lazer e diversão, mas não consegue pensar em nada, se tivesse filhos talvez passasse os dias cozinhando tortas de chocolate, mas o primeiro bebê é um plano para as próximas férias. Magnólia continua pensativa, afundada no sofá macio olhando para o copo vazio de chai latte até que aos poucos vai sumindo, deixa de existir quando começo a pensar no livro que preciso buscar na biblioteca. Já na porta da Satarbucks olho para o sofá vazio sendo ocupado por um homem de terno azul marinho, talvez um consultor do mercado financeiro...

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Risadas via Skype

Passei na casa dela, fui me despedir. Ficamos por lá cerca de uma hora, ela estava tranquila, exceto pela preocupação com o excesso de peso das malas. Nenhum sinal da angústia das últimas semanas. Preparava-se para a viagem enquanto jogávamos no ar palavras breves e reticentes, palavras que intencionavam serem completadas no próximo final de semana durante alguma cerveja. Não havia conselhos e nem votos, nada dessas coisas de despedida. O único indício era o álbum de fotografias da nossa infância em cima da bagagem de mão. Ela estava alegre, aquele vou-não-vou chegou ao fim e ela, finalmente, foi. Despedi-me sem chorar, nunca nos despedimos sem que eu chorasse, nem nas minhas idas e vindas e nem nas dela, eu sempre chorei aquele choro de aeroporto que mistura emoções. Dessa vez não, talvez por maturidade, talvez porque percebi que basta um olhar mais esotérico que pronto, as perdas já não são tão cruéis e assustadoras. Fui embora da casa dela caminhando com passos rápidos, querendo fugir da chuva, sempre! Lembrei da gente correndo na chuva, rindo, no auge dos dez ou onze anos, voltando da padaria com uma garrafa de suco de laranja. A tática da chuva que os diretores de cinema usam nas cenas marcantes dos filmes pra sensibilizar o público funciona mesmo, todo mundo tem uma lembrança emocionante na chuva, correndo lógico. Sem a chuva nem seria tão legal. Depois lembrei da gente indo pra escola juntas, a pé, de ônibus, com e sem chuva. Escrevendo cartas gigantes contando dos amores que tivemos, dos planos que arquitetamos brilhantemente e executamos desastradas. Dos e-mails que substituíram as cartas quando a tecnologia nos alcançou na adolescência. Lembrei da gente se arrumando para as festinhas ao som de Gilberto Gil, patinando, na montanha russa, nos cimenas ás quartas-feiras, inventando músicas no parquinho do prédio, escrevendo nas cafeterias, filosofando nos bares, brigando e fazendo as pazes. Fui lembrando e lembrando, tivemos variadas idades, sonhos e rostos. Até chegar na minha casa. Foram mesmo muitos dias de risadas que ecoam e misturam-se com as risadas que hão de vir, pensei, as próximas via Skype.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

30

De boas intenções o inferno ta cheio. Adoro ditados populares, já disse? Eu adoro todos, inclusive o do cavalo, aquele que a gente usa quando não vai fazer uma coisa por nada no mundo e aí manda a pessoa tirar o cavalinho da chuva. Que merda é essa de cavalinho? Ainda no diminutivo, e na chuva, coitado. Mas quem não sai na chuva não aprende a se molhar né, é o que dizem por aí. Já eu saí na chuva, me molhei, peguei pneumunia e tô querendo até agora entender que porra de chuva foi aquela já que o céu tava tão limpo. Meus pais bem que me disseram, obvio que nunca ao mesmo tempo e nunca a mesma coisa, mas enfim, o que importa é que eles avisaram que essa coisa de chuva só faria o meu cavalinho atolar. O problema é que quando eu vi já tava chovendo e ao em vez de correr pro toldinho eu paguei pra ver o sol nascer, acontece que o sol não tinha nem uma trinca na mão, além de me deixar esperando na chuva rapelou quase tudo o que eu tinha, entende? E eu fiquei olhando o horizonte a espera do sol (que tarda mais não falha) pois nada mais me ocorreu. Era uma paisagem de 30 anos recém completos. Interessante o jogo de luz e cores, o sombreado, os traços fortes e os vazados, a simetria imperfeita com cada erro de cálculo tão obvio quanto cada acerto. Então pensei que quando alguém chega aos 30 tem que fazer as coisas um pouquinho diferentes, um pouquinho melhores pra honrar a experiência de vida. E bem mais simples, como os ditados populares por exemplo. É basicamente isso que penso dos 30, que a gente sabe como viver melhor, não exatamente feliz e realizado, mas com atitudes descomplicadas, atitudes essas que todos aqueles que já se molharam e se secaram algumas vezes conseguem ter, mas que muitas vezes não colocamos em prática por falta de vontade, coragem ou dignidade. E vontade, coragem e dignidade são como a nossa bunda, cada um tem a sua, não se empresta, não se rouba e uma hora ou outra todo mundo acaba vendo se é grande ou pequena.