quarta-feira, 21 de novembro de 2018

Passeio de hoje


Hoje eu sinto amor. Apenas amor. Hoje eu sou amor.

Eu gosto de caminhar pelas ruas de Moema, me sinto viva com o movimento da cidade e fico feliz ao passar com os meus filhos nas paisagens da minha infância e perceber que mudamos, eu e os lugares.

E quando eu chego no meu trabalho e olho todos aqueles rostos, penso que nada mais poderia ter me tirado do lugar comum tão brutalmente quanto conviver com cada pessoa com quem dividi a mesa do almoço e compartilhei risadas e fofocas. As vezes frustrações, as vezes cerveja. Eu aprendi tanto com o que disseram, com o que eu vi e com o que foi me acontecendo. Eu fiz quase todos os dias o meu melhor e me transformei.

Hoje eu andei por aí fazendo as mesmas coisas que eu faço todos os dias cheia de mim mesma. Hoje eu me sinto tão eu  usando o meu tênis azul preferido e falando das coisas nas quais acredito. 

Hoje eu acredito mais.

Eleições

Hoje eu estava voltando da fisioterapia (ferrei a coluna, parte muscular) e resolvi almoçar na padaria. Um dos meus pequenos e frequentes prazeres nos dias chuvosos é almoçar cappuccino e pão de queijo na padaria e hoje caprichei, ignorei o pão de queijo integral e pedi logo o tradicional com uma torre de catupiry em cima. Depois passei no supermercado pra comprar quatro itens que preciso levar a um jantar de noite e o caixa de poucos volumes estava quebrado e as outras filas estavam gigantescas. Então entrei no caixa prioritário e quando fui questionada por estar ali estufei a barriga de pão de queijo e disse "gestante não pode?"

Esse fato me fez pensar nas eleições. Minha família vai votar no Alckmin, Bolssonaro ou Amoedo. O pessoal do meu trabalho é Haddad, eu trabalho com gente que diz que só estudou porque contou com o Proune, só tem casa própria porque com muito esforço juntou 15 mil e financiou pelo Minha Casa Minha Vida e que todos os partidos sem exceção são corruptos, agora mudar vida só PT muda. Tem uma mulher que sustenta marido e filhos com salário mínimo + bolsa família, o marido não arruma trabalho e eles moram faz um ano em um assentamento sem terra porque não conseguem pagar aluguel. No trabalho é 80% essa realidade.

Já em Moema nós temos grupos de empreendedores e empresários, de moradores unidos pela segurança, de apoio materno (s2), de revitalização de praças e muitos outros, e por causa das redes sociais que conectam a gente o tempo todo eu sei que a situação está feia em relação a segurança, essa semana já foram três assaltos no bairro à mão armada com direito a tiro. Nessas horas me da uma vontadezinha de votar no Bolssonaro porque gente, eu quero me sentir segura quando andar a pé no meu bairro segurando meu guarda-chuva pink em direção a padaria e não sei como conseguir isso, aí quando alguém fala que vai aumentar a segurança o olho até brilha.

Mas eu fico pensando nessa questão de cidadão andar armado e todos os acidentes que acontecem, tipo esses adolescentes loucos que saem por aí matando geral, ou até mesmo um conhecido que era depressivo e se matou com a arma do pai, ou gente que atirou em civil achando que era legítima defesa por engano. Eu acho muito legal fortalecer a polícia, eu estive no mundo dos concurseiros e sei que tem gente que nasceu pra ser policial porque é idealista mesmo e quer fazer diferença, acho que esses meninos e meninas devem ser muito mais valorizados. Mas o que acontece se a polícia corrupta for fortalecida com mais poderes de ação? Falo desses casos não raros de policiais que matam suspeito a sangue frio sem mesmo ter crime comprovado.

Eu acho ótimo reduzir a maioridade penal, diminuir a flexibilidade com infrações e deixar criminoso preso na cadeia sem indulto disso e daquilo. Mas as cadeias estão abarrotadas com ladrão de galinha junto com estuprador e não tem proposta de divisão por enquadramento ou reabilitação social quando pertinente, vai enfiar essa galera toda onde gente?

Sobre as propostas para a Educação, tem mesmo que acabar com a aprovação compulsória e fazer seja lá o que for pra colocar disciplina nas escolas porque eu, como funcionária da Educação, sei que as escolas públicas são roubadas e sucateadas pela própria comunidade e os professores muitas vezes vão trabalhar com medo e de fato são agredidos por alunos e precisam ser omissos. Os Diretores de Escola acabam fazendo acordo territorial com traficantes locais ou PCC pra garantir a segurança da escola. A educação, que é a base de uma sociedade em ascenção, é uma piada de mal gosto.

Gosto de privatização e terceirização. Não faz sentido o Estado controlar o que não é estratégico. Desde que as merendas, a segurança e a limpeza foram privatizadas na Educação os custos para o Estado de fato reduziram, mas é questionável o aumento da eficiência desses serviços. O problema da privatização é a corrupção, os processos licitatórios não são transparentes e empresas que não cumprem o contrato por ineficiência estão operando em troca de propina para funcionários públicos que fazem vista grossa na supervisão. Será que trocando os gestores desses contratos a propina seria recusada? A grana é bem alta.

E esse negócio da carteira de trabalho opcional verde e amarela que o jovem pode escolher para trabalhar sob outras regras que não são a CLT? É mesmo o jovem desempregado que vai escolher ou a empresa? Só pensando, esse ponto não preocupa porque está dentro das questões da reforma trabalhista e é necessário mesmo repensar as relações de trabalho, o mundo mudou e embora Carl Marx seja atual em suas reflexões ele perdeu uma parte importante do processo que envolve novas tecnologias e trabalho imaterial depois que bateu as botas. Só não entendi ainda porque o Bolssonaro é contra a reforma da previdência, a previdência é uma bomba relógio.

Não acho pertinente comparar Bolssoraro com Hitler porque estamos em um outro momento político mundial onde não se pode tão facilmente sair queimando gays e ateus, eu sei que tem acontecido coisas equivalentes na África e Oriente Médio por exemplo, mas relativizações a parte, não acho um cenário próximo pra gente. Agora pensar em uma ditadura é pertinente, não na ditadura dos nossos pais, mas um outro tipo de ditadura que tem como centro o desequilíbrio de poderes, com um Estado que fortalece o poder de polícia e restringe os direitos dos cidadãos que não podem reivindicar as injustiças que acreditam que sofrem porque não há mais espaço para reivindicar.

O problema principal que vejo nesse caminho de ordem quase unilateral é a corrupção no seu sentido mais amplo (nem tudo que é ilegal é imoral e nem tudo que é imoral é ilegal) e em todas as esferas. As pessoas que ocupam cargos chave no executivo, legislativo e judiciário teriam que ter mesmo reputação ilibada, índole reta e valores incorruptíveis, porque não é de um homem só que se faz uma nação. E os cidadãos deveriam ser engajados na fluidez social, incapazes de sonegar impostos, fazer gato na TV a cabo do vizinho ou fingir que tem direito às filas prioritárias dos estabelecimentos

Medo

Hoje me perguntaram qual meu maior medo. Eu já tive medos que me deixaram literalmente paralisada, com falta de ar e taquicardia. O primeiro que consigo lembrar foi o medo de não ser aceita, eu sentia que não pertencia a nenhum grupo e a nenhum lugar. Acredito que esse foi o medo que me perseguiu por mais tempo e que me assombrou das maneiras mais cruéis.

Eu cresci escutando que não era boa o suficiente porque era gorda, inútil e incapaz. Diziam que se eu continuasse gorda nunca teria um namorado e a minha maneira de me expressar era inadequada. Também escutei muitas vezes que era bonita, criativa e inteligente, talvez tanto quanto escutei o contrário, mas não sei por qual motivo acreditei no pior.

Quando se chega na idade adulta é mais fácil entender a dinâmica dos jogos emocionais das relações, todos queremos afeto, porém entendemos o afeto e lidamos com a falta dele de maneiras muito variadas. Na maior parte das vezes não vale a pena tentar entender a visão do outro, cada um tem que mergulhar no seu próprio universo caso queira buscar paz.

O medo fez com que eu parecesse uma criança travada, embora sempre tive uma essência extrovertida e brincalhona que só as pessoas mais íntima puderam conviver. Na escola durante o ensino fundamental eu me sentia muito insegura, não conseguia interagir com as outras crianças e me relacionar mesmo tendo vontade. Não tinha amigos.

Já no ensino médio eu fiz amigos e passei a ter problemas de comportamento na escola quando percebi que chamar a atenção era uma maneira de fazer parte dos grupos mais populares, mas mesmo com a aceitação dos colegas da escola eu me sentia coadjuvante em qualquer situação.

Não conseguia ser espontânea, estava a maior parte do tempo angustiada e de tão moldada às expectativas alheias e movida pelo pavor de não ser aceita  soterrei a minha personalidade, me escondia dentro de roupas largas ou tentava imitar outras meninas com corpos e gostos que não eram os meus. Acreditava que se eu perdesse peso e ganhasse o meu próprio dinheiro seria tudo diferente.

Curiosamente no campo amoroso transitei mais tranquilamente, acredito que eu sempre fui muito boa nas relações mais íntimas porque ao me sentir confortável com alguém eu conseguia me expressar, o que era uma necessidade enorme. A minha baixa autoestima atrapalhava minhas relações afetivas, mas nunca tive medo de me relacionar ou pensei que não fosse merecedora de amor.

O meu segundo maior medo foi não conseguir me manter. Me sentia péssima pelo meu jeito desastrado, acreditava que era burra e não conseguiria realizar nenhuma tarefa tão bem como outras pessoas eram capazes de fazer. Levei essas crenças para o ambiente profissional e me sentia muito insegura ao apresentar ideias, falar a minha opinião ou simplesmente interagir, me sentia acuada frente a figuras de autoridade.

Eu me pressionava para conseguir estabilidade em um emprego porque não queria mais depender do meu pai financeiramente. Cresci escutando o quanto as coisas eram caras e difíceis e o quanto era sacrificante arcar com o meu custo. O meu pai tinha um comportamento que variava entre dois extremos, ele podia ser um pai extremamente amoroso como também podia ser violento a ponto de me machucar fisicamente e dizer coisas que me fragilizavam.

Não conseguia enquadrar o meu pai no papel do vilão porque tivemos uma relação divertida na minha infância e eu me sentia protegida, me sentia valorizada quando ele se interessava mais do que qualquer pessoa pelo meu hobbie de escrever e ilustrar histórias. Na adolescência ainda éramos próximos, morei com ele por muitos anos e tivemos momentos bons.

Porém por volta dos meus dezesseis anos começamos a brigar e ele reagia com  violência, tanto física quanto verbal, além de trazer as situações que mais me machucavam para as discussões.
Agora eu não sei mais porque brigávamos, talvez porque eu não estudava o suficiente, chegava tarde em casa e nunca ouvia uma ofensa calada. Sempre brigávamos por motivos estúpidos e depois passávamos um tempo tendo um bom relacionamento, o que me deixava confusa.

Pensava que ele estava cuidando de mim como sabia e que por eu sempre revidar os xingamentos tinha culpa compartilhada nas discussões. Hoje eu sei que fui vítima porque ele era o adulto e era mais forte do que eu. Eu não tinha qualquer condição de me defender das investidas físicas e não tinha clareza ou maturidade para encontrar a melhor maneira de me defender.

Quando finalmente olhei para a situação com mais discernimento senti raiva de mim por não ter ido embora da casa do meu pai nas diversas chances que eu tive. Depois eu entendi que a minha falta de reação era fruto da minha autoestima naufragada, eu me sentia incapaz de prover o meu próprio sustento e frágil demais para enfrentar uma vida com mais autonomia.

Eu não acreditava em mim e por isso eu inventava desculpas para permanecer na casa do meu pai “ fico até terminar a graduação ou até eu me sentir estável nesse emprego”. Durante muitos anos eu também acreditei que poderia consertar as coisas com meu pai, que nós poderíamos superar todas aquelas brigas e dar um desfecho para as memórias doloridas que eu gostaria de não ter.

Um dia percebi que eu romantizava a realidade para não ter que lidar com toda a dor de aceitar a minha história, ainda me incomoda lembrar. Meu pai e eu convivemos bem hoje por não morarmos juntos e não nos questionarmos sobre nada, mas principalmente pela constante presença dos meus filhos que suaviza ao redor de onde quer que estejamos.

Eu perdi o medo de não conseguir me manter financeiramente, eu acredito em possibilidades infinitas e em uma rede de pessoas de bem que me cercam e amam. Hoje eu não consigo mais saber se ainda tenho algum medo desses que paralisam, talvez apenas frustrações com as quais tenho que lidar.