quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Risadas via Skype

Passei na casa dela, fui me despedir. Ficamos por lá cerca de uma hora, ela estava tranquila, exceto pela preocupação com o excesso de peso das malas. Nenhum sinal da angústia das últimas semanas. Preparava-se para a viagem enquanto jogávamos no ar palavras breves e reticentes, palavras que intencionavam serem completadas no próximo final de semana durante alguma cerveja. Não havia conselhos e nem votos, nada dessas coisas de despedida. O único indício era o álbum de fotografias da nossa infância em cima da bagagem de mão. Ela estava alegre, aquele vou-não-vou chegou ao fim e ela, finalmente, foi. Despedi-me sem chorar, nunca nos despedimos sem que eu chorasse, nem nas minhas idas e vindas e nem nas dela, eu sempre chorei aquele choro de aeroporto que mistura emoções. Dessa vez não, talvez por maturidade, talvez porque percebi que basta um olhar mais esotérico que pronto, as perdas já não são tão cruéis e assustadoras. Fui embora da casa dela caminhando com passos rápidos, querendo fugir da chuva, sempre! Lembrei da gente correndo na chuva, rindo, no auge dos dez ou onze anos, voltando da padaria com uma garrafa de suco de laranja. A tática da chuva que os diretores de cinema usam nas cenas marcantes dos filmes pra sensibilizar o público funciona mesmo, todo mundo tem uma lembrança emocionante na chuva, correndo lógico. Sem a chuva nem seria tão legal. Depois lembrei da gente indo pra escola juntas, a pé, de ônibus, com e sem chuva. Escrevendo cartas gigantes contando dos amores que tivemos, dos planos que arquitetamos brilhantemente e executamos desastradas. Dos e-mails que substituíram as cartas quando a tecnologia nos alcançou na adolescência. Lembrei da gente se arrumando para as festinhas ao som de Gilberto Gil, patinando, na montanha russa, nos cimenas ás quartas-feiras, inventando músicas no parquinho do prédio, escrevendo nas cafeterias, filosofando nos bares, brigando e fazendo as pazes. Fui lembrando e lembrando, tivemos variadas idades, sonhos e rostos. Até chegar na minha casa. Foram mesmo muitos dias de risadas que ecoam e misturam-se com as risadas que hão de vir, pensei, as próximas via Skype.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

30

De boas intenções o inferno ta cheio. Adoro ditados populares, já disse? Eu adoro todos, inclusive o do cavalo, aquele que a gente usa quando não vai fazer uma coisa por nada no mundo e aí manda a pessoa tirar o cavalinho da chuva. Que merda é essa de cavalinho? Ainda no diminutivo, e na chuva, coitado. Mas quem não sai na chuva não aprende a se molhar né, é o que dizem por aí. Já eu saí na chuva, me molhei, peguei pneumunia e tô querendo até agora entender que porra de chuva foi aquela já que o céu tava tão limpo. Meus pais bem que me disseram, obvio que nunca ao mesmo tempo e nunca a mesma coisa, mas enfim, o que importa é que eles avisaram que essa coisa de chuva só faria o meu cavalinho atolar. O problema é que quando eu vi já tava chovendo e ao em vez de correr pro toldinho eu paguei pra ver o sol nascer, acontece que o sol não tinha nem uma trinca na mão, além de me deixar esperando na chuva rapelou quase tudo o que eu tinha, entende? E eu fiquei olhando o horizonte a espera do sol (que tarda mais não falha) pois nada mais me ocorreu. Era uma paisagem de 30 anos recém completos. Interessante o jogo de luz e cores, o sombreado, os traços fortes e os vazados, a simetria imperfeita com cada erro de cálculo tão obvio quanto cada acerto. Então pensei que quando alguém chega aos 30 tem que fazer as coisas um pouquinho diferentes, um pouquinho melhores pra honrar a experiência de vida. E bem mais simples, como os ditados populares por exemplo. É basicamente isso que penso dos 30, que a gente sabe como viver melhor, não exatamente feliz e realizado, mas com atitudes descomplicadas, atitudes essas que todos aqueles que já se molharam e se secaram algumas vezes conseguem ter, mas que muitas vezes não colocamos em prática por falta de vontade, coragem ou dignidade. E vontade, coragem e dignidade são como a nossa bunda, cada um tem a sua, não se empresta, não se rouba e uma hora ou outra todo mundo acaba vendo se é grande ou pequena.