quinta-feira, 24 de maio de 2012

Amanhã

Vivem como se não fossem morrer, como se a velhice não os esperasse amanhã. Envelhecem encenando a juventude subjetiva, travestidos de plásticas, cremes e modismos. Maquiando a decadência natural do corpo e mascarando, ao mesmo tempo, os indícios da maturidade. A ingenuidade da juventude parece diva porque vive no mundo das possibilidades, a maturidade é inerente à adaptação e aceitação de histórias imutáveis, mas quase sempre engrandecedoras. Por que o tempo é negado entre os nossos?

Acho louco pensar que pessoas vão morrer agarradas aos valores superficiais sem nem mesmo entender os motivos de suas frustrações.

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Magnólia

Falei para a atendente da Satarbucks que chamo Magnólia. Talvez por bipolaridade, mas é pouco provável. Acho que é porque eu gosto de inventar. Comecei inventando um amigo imaginário na infância, era um rato azul. E na escola eu inventava acontecimentos mirabolantes com algumas amigas e depois contávamos para as outras meninas que ficavam morrendo de inveja das nossas histórias fantásticas. Uma psicóloga juvenil poderia dizer que éramos jovens deslocadas tentando nos encaixar e construir nossas identidades através de uma vida imaginada, inventada, ou seja, de mentira. Mas eu nunca vi as nossas criações como mentirosas embora esteja certa de que essa é uma forma de ver as coisas. Penso que éramos um grupo de meninas criativas demais para nos limitarmos ao palpável. Há uma linha muito tênue entre a mentira e a imaginação, por exemplo, gosto de olhar as pessoas nos restaurantes e imaginar como se chamam, o que fazem, onde moram, como vivem e o que pensam do mundo. Muito provavelmente as minhas suposições não condizem com as vidas dessas pessoas, mas constroem narrativas de personagens que interagem comigo no maravilhoso campo das possibilidades. Quando os divido com grupos de amigos todos se divertem e percebo então que muita gente adora brincar de suposições, usar os estereótipos e criar personagens que se deslocam da concretude, deixam de ser indivíduos desconhecidos perambulando nos shoppings, restaurantes e transportes públicos para existirem no mesmo espaço e tempo, mas como ideias que vem e vão. Então Magnólia entra na Starbucks e pede um brownie de doce de leite e um chai latte quente. Ela está com o rosto horrível, poderia estar doente ou ter passado a tarde toda chorando, porém só está cansada de mais um dia de férias, ela trabalha como cozinheira onze meses por ano e sai de férias durante um mês porque seus patrões assim determinam, certamente não por vontade própria. Odeia sair de férias, nunca tem dinheiro para viajar, não tem interesse em fazer turismo na cidade de São Paulo e fica sempre extremamente entediada. Seu marido é professor e trabalha de noite, chega cansado e só lhe faz companhia aos finais de semana. Como ambos moram perto da Avenida Paulista, Magnólia tem saído aos finais de tarde para se presentear com pequenos luxos como quitutes feitos por outras pessoas, embora pensa que os faria melhor e não valem o que custam. Magnólia tem distúrbios de ansiedade e faz tratamento com medicamentos controlados. Também é compulsiva por açúcar refinado e sexo, o que ninguém imagina à primeira vista. Senta no sofá confortável da Starbucks e sente-se afundar, gosta da sensação. Decide começar um planejamento para o resto das suas férias, ainda faltam quase vinte dias, quer algo que se aproxime da ideia que tem de lazer e diversão, mas não consegue pensar em nada, se tivesse filhos talvez passasse os dias cozinhando tortas de chocolate, mas o primeiro bebê é um plano para as próximas férias. Magnólia continua pensativa, afundada no sofá macio olhando para o copo vazio de chai latte até que aos poucos vai sumindo, deixa de existir quando começo a pensar no livro que preciso buscar na biblioteca. Já na porta da Satarbucks olho para o sofá vazio sendo ocupado por um homem de terno azul marinho, talvez um consultor do mercado financeiro...