quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Ilusões

Ele chegou naquela madrugada e não tínhamos conversado ainda, o constrangimento pairava entre nós dois, quis lembrar em vão o momento exato em que perdemos a intimidade. Estávamos sentados na mesa do café da manhã, eu calada esperando ele comentar que não gostava do meu corte de cabelo, ele mastigando o pão com olhar perdido no nada. Finalmente ele me encarou e disse que meu cabelo não estava legal, esperei que completasse a frase dizendo qualquer coisa sobre o quanto eu havia engordado e tornando assim o momento ainda mais desagradável, isso não aconteceu e fiquei frustrada, quase levantei e desfilei na cozinha para que ele reparasse os quilos a mais. Eu o odiaria. Eu queria odiá-lo e isso me assustou.

Angustiada com meus pensamentos comecei a falar sem parar. Falei do tempo, dos cachorros, da receita da broa de fubá. Via as minhas frases se desfazendo no ar como fumaça enquanto ele cortava outro pedaço de bolo respondendo a minha ladainha com grunhidos esporádicos, não disse uma só palavra. Pensei que deveríamos dormir e mais tarde tudo estaria diferente (não ousei pensar que estaria bem). Certifiquei-me de que ele estava bem instalado no quarto de hóspedes e depois tentei um beijo sem sucesso, ele mal moveu os lábios. Eu estava me esforçando e não duvidava do empenho de quem viajou quase seis horas só pra poder me criticar e ignorar pessoalmente. Fui dormir com vontade de acordar em outro tempo, em outro lugar.

Acordei horas depois, ele estava sentado em minha cama me observando. Sentei sonolenta e com medo de dizer qualquer coisa errada afinal só o silêncio parecia seguro naquele momento. Então ele falou primeiro, disse que estava ali para descobrir se ainda me amava. Contou que havia se tornado um homem mais tolerante nos meses em que eu estive longe e que ainda assim não sabia se suportaria nossas diferenças. Achei racional e nada respondi. Sempre tive pavor de perdê-lo e por muito tempo fingi que não tínhamos diferenças, eu mentia pensando que assim preservaria o seu amor, inventava...

Eu sempre soube que o amava, sabia que o amava mesmo naquele momento assim como sabia que só o amor não bastaria. Percebi que nossas limitações eram o ponto final mais escancarado que poderia existir, eram o campo minado que separava nossos universos particulares. As ilusões vão embora sem olhar pra trás quando as nossas invenções deixam de nos convencer, é difícil pra cacete não sair correndo atrás delas pedindo que fiquem um pouco mais, para um café ou coisa assim.

Estava exausta, mas disposta a ficar mais um pouco para o último dedinho de prosa como é do meu feitio, sou sempre a última a deixar as festas. O dia estava lindo e eu tive uma idéia, o convidei para irmos até o rio, ele adorava pescar e poderíamos almoçar na represa. Ele sorriu deixando formar as covinhas que eu tanto gostava, então começamos a planejar o passeio. Não acordamos nada verbalmente, mas nenhum de nós dois pronunciou qualquer frase negativa, deixamos pra outro dia mais nublado, talvez. Foi uma tarde alegre de sol, cerveja e peixes.

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