quarta-feira, 6 de julho de 2011

Adelaide 141


A rolha do vinho rosé gazeificado quebrada dentro da garrafa, o quarto onde o caos conforta, roupas espalhadas pelo chão, o casaco de frio rasgado, a toalha de banho pendurada no armário. Trilha sonora de Janis Joplin para acompanhar a noite de mais um dia frio, um dos últimos. O retrato do Bob Marley pensando e a luz fraca que não permite nem uma boa maquiagem acabam de ilustrar o cenário principal de uma boa história.

É dia 21 de dezembro de 2005 e já compramos as passagens para o natal em New York. Depois viajarei sozinha por aí, ou com o Baudolino, livro que só procuro quando tenho saudades de ler em minha língua natal para economizar o prazer de alcançar uma das únicas raízes que tenho. Na sequência vou embora para sempre, mesmo que eu volte um dia nada será como é hoje. Nós seremos diferentes assim como já somos tempos depois dos nossos caminhos terem se cruzado.

Estamos em uma das conversas ideológicas de final de dia, falamos do produto da intersecção de dois pontos no universo, aprimoramos nossa tecnica Casa de Bonecas que consiste em nos observar com distanciamento para perceber o que nossa intensidade característica não permite. Treinamos o método e acreditamos fielmente em seus efeitos benéficos para nossa compreensão de todas as coisas. Bebemos nossa garrafa de vinho.

Janis Joplin canta "Oh Lord, won't you buy me a Mercedes-Benz? My friends all drive Porsches, I must make amends. Worked hard all my lifetime, no help from my friends. So Lord, won't you buy me a Mercedes-Benz?". Penso que nunca rezamos, nem nas fases difíceis, acreditamos sempre nos nossos próprios métodos de fazer tudo ficar bem. Tudo sempre ficou bem.

O que sobrou do dinheiro reunido servindo pizza e limpando escritórios e casas está guardado em uma pasta verde dentro do armário. Um pouco paga as últimas contas e o resto será destinado às viagens e à festa de reveillon. Será a última. Olho a disposição das nossas coisas no quarto, umas encontradas, outras doadas e algumas poucas compradas como o cesto de roupas sujas de nylon, pink, com a flor amarela em cima. Acho divertidíssimo. Tento guardar os detalhes em minha memória.

Não sei se os outros moradores do basement podem escutar a Janis berrando ou as nossas gargalhadas das conclusões metafísicas daquela conversa, conclusões essas certamente afetadas pelo cansaço e pelo vinho. Temos talento para o bom humor, acho que é nosso ponto mais forte. Penso que é isso que quero levar quando for embora. O resto vai se transformar em uma lembrança boa de um lar que tive na rua Adelaide, número 141.

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