quarta-feira, 13 de julho de 2011

Declaração de Amor

Eu dei a ela um lar para voltar após o trabalho, um lar que foi completamente arrumado por ela, com as paredes brancas e os móveis de pinho. Eu não gosto de pinho. Não tive coragem de dizer quando ela escolheu aquele armário na Etna, éramos noivos e ela já tinha todos os planos para a decoração da casa. Não que não tenha considerado a minha opinião, perguntou o que eu achava e menti para fazer o gosto dela. Besteira de gente jovem apaixonada. Aquele armário não existe mais, porém todos os nossos móveis são de pinho, sempre compramos móveis de pinho para combinar com o resto da decoração da casa. Hoje se eu disser que prefiro mogno gastaria uma fortuna para substituir a mobília.

Algumas vezes ela troca as cortinas e compra novos enfeites, tem vocação para ajeitar as coisas. O quarto dos meninos nunca mudou, ela diz que é para que se sintam em casa caso queiram voltar das aventuras pelo mundo, por alguma necessidade ou até mesmo por saudade, diz ela saudosa da casa cheia. O quarto da Mariana ela mudou, comprou uma cama de casal depois do casamento e já planeja o lugar do berço embora Mariana ainda não tenha apresentado interesse pela maternidade. Talvez já tenha apresentado, eu não sei, aprendi que tem coisas que cabem apenas às mães e filhas.

Ela gosta de viajar e todo ano escolhe o roteiro das férias, sempre discutimos. Gosto de campo e tranquilidade, quanto a ela, as praias e o agito são as primeiras opções. Antes passávamos horas decidindo o destino e as brigas eram de praxe, eu dizia que trabalhava duro para manter nossa família e precisava de descanso e paz em meu único momento de lazer, ela argumentava dizendo que morria de tédio, sempre. Depois ainda vieram as crianças com suas vontades próprias e ficou pior. Hoje somos nós dois outra vez e estou um pouco mais flexível. Aposentei-me e tenho tido mais tempo para descansar.

Sei que sente gratidão pelo lar que lhe dei, pelos filhos criados sem precisarmos lhes poupar nada. É grata pela vida confortável e de preocupações amenizadas. Vejo seus olhos repletos de gratidão ao recebermos a família e os amigos em nossa casa no dia do natal. Ela pouco cozinha, mas nessa ocasião faz questão de preparar a ceia farta e comprar bons presentes para os convidados. Ela enfeita a casa inteira com decoração natalina e depois se enfeita toda. Como gosta do natal! Eu sempre compro um presente previsível e ela o recebe com o entusiasmo de uma atriz e a sua mais sincera gratidão.

Também me sinto grato por ela estar ao meu lado, ela sempre esteve, participou das decisões mais difíceis e cuidou para que não me faltasse os remédios na hora certa, o meu prato preferido com a frequência necessária e um armário distinto (de pinho) para eventos de gala e reuniões importantes. Ainda hoje quando está rindo alto ao telefone com Mariana ou alguma amiga eu posso ver aquela menina de risada escandalosa que gostava de festas. A menina que gostou de mim mesmo sem eu gostar de festas e que escolhi para ser a minha mulher. Por quem quase sempre fui fiel. Pela qual na maior parte do tempo me senti grato.

Amor não é gratidão. Dizem muitas coisas do amor, boas e nem tão boas. Acho que o amor é aceitar o defeito mais irritante daquela pessoa porque ela faz a melhor torta de abóbora do mundo. Penso que o amor é clichê, é uma escolha sem nada de mágico ou excepcional, afinal o previsível anula o excepcional. E eu sei, sei toda a sua rotina de cremes após o banho da noite e a sua rotina de cremes e maquiagem todas as manhãs. Raramente ela me surpreende, sei como vai reagir a cada notícia, a cada história que conto. Sei o que a faz rir e chorar.

Já me disseram que quando amamos alguém ficamos felizes com a felicidade do outro mesmo que isso represente a sua ausência em nossas vidas. Não imagino essa hipótese. Talvez porque me acostumei com os remédios na hora certa, a risada escandalosa dela misturada ao som da TV e outras coisas como essas. Acostumei com a sua cabeça recostada em meu peito quando estamos deitados na cama, antes de dormir e depois do ritual dos cremes, enquanto escuto o relato detalhado do dia dela e resumo o meu. Todos os dias, um dia depois do outro, um dia igual ao outro.

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