terça-feira, 5 de julho de 2011

De Office Boy a Estelionatária (reflexões de uma estagiária)

Quando eu pensei a primeira vez em ser alguma coisa quando crescesse pensei em ser veterinária, mas desisti logo que o meu cachorro ficou doente, achei que medir a febre do bichinho pela bunda era uma prática muito abusiva para o meu estômago.

Anos depois fui com uma amiga visitar o pai em uma agência de publicidade, tudo era tão colorido que me apaixonei! Cheguei em casa correndo, animadíssima, pronta para contar aos meus pais a novidade. Eu havia acabado de resolver a mais profunda questão existencial do ser humano, tinha acabado de tomar uma das decisões mais importantes da minha vida. Eu decidi ser publicitária.

Meu pai disse que eu morreria de fome. Disse que eu morreria de fome se fosse psicóloga, quando assim decidi tempos depois, e me convenceu que se eu fosse médica poderia ser psiquiatra, quase psicóloga. Pelo menos febre de gente não se mede pela bunda. Quando chegou a hora de decidir me revoltei com toda essa história de morrer de fome e entrei na faculdade de Publicidade e Propaganda.

No segundo semestre arrumei um emprego de vendedora de loja de shopping mas depois de um mês com apenas uma folga quinzenal, trabalhando doze horas no sábado e levando bronca de uma gerente de dezesseis anos eu decidi procurar um estágio.

Meu primeiro estágio, quanto glamour! Consegui uma vaga em uma produtora de filmes e passei a frequentar o escritório todos os dias... exercendo a função de office boy. Nunca vi a gravação de um documentário, nunca participei de uma edição.

O meu chefe rico e bonitão tinha uma namorada médica, mas começou a sair com a assessora de imprensa, então a namorada médica descobriu e passou a me ligar diariamente pedindo informações sigilosas do chefe bonitão.Pelo menos eu era útil pra alguém ali! Logo descobriram que eu podia ir ao banco em meio período e cortaram o meu horário e o meu salário. Cansada da loucura e para a infelicidade da namorada médica que ficou sem informante, eu encontrei outro estágio.

Meu segundo estágio foi em uma consultoria de marketing, onde ao contrário do que dizia a proposta, eu nunca vi um projeto de consultoria na minha frente. O meu trabalho era a complexa tarefa de imprimir cartas, descobrir o telefone de possíveis clientes, depois ligar e descobrir o endereço, e então colocar as cartas no envelope e levar no correio. Adorava quando o correio estava lotado e eu demorava mais para voltar ao tedioso escritório.

Depois consegui estagiar em uma empresa grande, onde acreditei que a política de estágio obedecesse a um código de moral e ética condizentes com o termo. Doce ilusão! Fui colocada para substituir uma profissional formada ganhando menos de um terço do salário dela, e ela puta porque perdeu o emprego colocou senha em todos os documentos do computador e foi embora guardando segredo das senhas.

Ninguém sabia de nada, ninguém me ensinou nada. A minha diretora não tinha tempo de falar comigo e costumava berrar "Você tinha que ter feito issoooooooooooooooo", "Você não tinha que ter feito aquilooooooooooooo." E eu tentava responder "Mas eu pensei" e ela "Você não tem que pensar naaaaaaaaaaaaaaaaaadaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa!"

Descobri várias mutretas e fiquei amiga do jovem aprendiz, nós nos divertíamos na hora do almoço criando planos mirabolantes para desmascarar todas as tramóias da empresa, iríamos quase dominar o mundo, mas não tivemos tempo. Um dia resolvi acabar com aquela palhaçada e falei para a diretora que a minha situação lá era um absurdo, que haviam me jogado no cargo sem preparo nenhum e que ninguém me supervisionava, que aquilo não era estágio. Ela concordou, me mandou embora. Maldita razão!

Tentei trabalhar como assistente comercial, mas não deu certo, não vendo nem notas de cem na promoção!

Ainda antes de me graduar fui estagiar em outra consultoria, dessa vez aprendi bastante, até que o meu chefe, professor renomado de uma instituição conceituadíssima, achou mais útil me colocar exclusivamente para corrigir as provas dele só porque eu disse que tinha interesse em seguir a carreira acadêmica. Sobre o assunto ele me ensinou que eu não precisava ler as provas, apenas fazer comentários genéricos para que os alunos pensassem que eu, ou melhor, ele havia lido a prova. Também me ensinou a falsificar a assinatura dele, e assim virei estelionatária.

O único comentário que ele fez foi: Você está dando muito dez! Eles não podem achar que as coisas são fáceis. Com isso acabaram-se os estágios e a minha vontade de seguir uma carreira acadêmica.

Fiz minhas malas e logo após a minha formatura fui viajar um pouco. Quem sabe não tenho mais sorte como trainee.

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