terça-feira, 5 de julho de 2011

Um Conto Nosso

Você acorda, me manda uma mensagem no celular, eu não respondo. Você não me encontra no msn e envia um e-mail e uma outra mensagem no final da tarde, ambos sem resposta. Então acessa meu orkut, porém ele não existe mais. Intrigado liga no meu celular e o telefone só chama até cair na caixa postal: “Oi, aqui é o Marcelo, liga mais tarde ou deixa um recado”.

Um pouco assustado você tenta ligar na minha casa e uma mulher atende, o nome dela é Fátima e ela diz não morar nenhuma Renata naquela residência, você ainda confere o telefone... sente tontura e senta na cama.

Quando se sente melhor vai para o computador a procura dos meus e-mails, alguma foto, o emotion da Hello Kitty no msn, não encontra nada. Procura minhas mensagens no celular e nada. Anda pelo seu quarto tenso a procura dos livros, a pedra, a carta... mas não encontra nada que te dei nos lugares em que guardou.

Liga para algum amigo, algum para quem havia contado sobre mim, mas eles pensam que eu desapareci simplesmente porque sou louca e uma roubada. Você por um momento se dá conta que nunca saímos com outras pessoas, éramos sempre nós dois e ninguém pode provar minha existência a não ser as garçonetes da Ofner e o porteiro do meu prédio.

Meu prédio parece uma boa idéia! Você pega o carro já de madrugada e dirige até Moema em alta velocidade, no caminho toca a música surreal e você pensa que a distância até o prédio nunca foi tão grande. O porteiro mal humorado atende o interfone e diz que não mora nehuma Renata Granato alí, você tenta me descrever e lembra-lo que esteve lá na terça feira passada, mas como está um pouco nervoso altera a voz e acaba aguçando o mal humor do porteiro, que simplesmente desliga o interfone.

Você volta para a sua casa, não consegue dormir nem por um segundo, fica deitado na sua cama lembrando de cenas que parecem não existirem e duvida pela primeira vez da sua sanidade. Chega 6h da manhã liga para a sua pisicóloga. Quando conta que os presentes também sumiram ela sugere um outro especialista com quem você pode conversar e você perde a paciência: “Acha que eu enlouqueci??” e vai embora.

Está atolado de trabalho na editora mas não consegue fazer nada, pessoas ligam no seu celular e no telefone. Você acha o nome de uma virose seríssima na internet que nem sabia existir e diz que acabou de contrair a tal virose, então desliga o celular e tenta pensar em um jeito de provar a sua sanidade para si mesmo.

Começa a lembrar nomes de pessoas de quem eu já falei, Raquel, Bia, Janinne... e por Janinne ser um nome incomum resolve localiza-la no orkut, e percebe que Janinne não é um nome tão incomum assim. Passa a tarde olhando a página pessoal delas e não lembra de sentir fome ou sono. Sua mãe repara que parece transtornado e comenta, mas você não arranja forças para contar nada.

Após algum tempo vê uma foto que parece familiar e apesar de não encontrar mensagens minhas encontra alguns nomes conhecidos e também o endereço do msn dela. Adiciona a Janinne no seu msn e sorte! Ela está online, então começa uma conversa.

- Desculpa te adicionar sem conhecer mas preciso de uma informação, você conhece alguma Renata Granato?

- Quem é você?

- Um amigo dela... na verdade eu não vejo a Renata a algum tempo e preciso falar urgente com ela, e ela falava de uma Janinne...é mesmo urgente

- Vixe... Renata Granato... não sei... como ela é?

- Alta, tem olho verde, fez FAAP, mora em Moema, loira...

- Acho que não conheço.

Você exausto resolve deitar um pouco, mas quando está deixando o computador vê que a Janinne continua falando

- Engraçado é que ontem eu fiz uma regressão e apareceu uma cena que eu não lembro de ter vivido, e nela tinha uma Renata de olho verde... mas era morena... estávamos fazendo guerra de sorvete.

- Regressão?

- Faço uma terapia com hipnose para lembrar com mais precisão algumas situações e... enfim, apareceu uma Renata em um apartamento que nunca fui... devo ter sonhado nessa hora, sei lá, mas era tão real.

- Hum, onde foi isso?

- Em um prédio que eu morei em Moema, lá na frente do Shopping Ibirapuera, mas não lembro de nenhuma Renata que morava lá.

- Me da o endereço?

- Não é quem você está procurando, eu nem lembro dela! Mas se vc quer...

Você vai até o endereço porque lembra que eu mostrei um apartamento na frente do Shopping Ibirapuera. Estaciona o carro e toca o interfone, um porteiro simpático atende, chama Gil. Quando você fala no nome Janinne ele logo abre o portão.

- A molecada era terrível, a Janinne aprontava muito com as outras crianças, lembro das amiguinhas dela, a Bianca, a Bruna, a Regina, a Fernanda... mas Renata eu não lembro, se tivesse alguma eu lembrava! Ah se lembrava! O trabalho que me davam...

Você volta para sua casa e está tão cansado que acaba adormecendo sem pensar em mais nada, dorme até a manhã do dia seguinte, quando acorda mais disposto, com fome e uma idéia. Procura a Janinne no msn e pede o telefone da terapeuta que ela fez a regressão. Marca uma consulta na mesma tarde.

Surpreende-se quando chega ao consultório, ela é jovem e receptiva. Escuta toda a sua história com a maior atenção do mundo e ainda não duvida de você. Lembra que a Janinne teve uma memória sob estado de hipnose que não recordava. Comenta que algumas vezes isso acontece pois é normal que o subconsciente traga algumas lembranças apagadas em situações como aquela.

Pede para que você se sente em uma cadeira e começa o processo de hipnose te induzindo a lembrar a última vez em que me viu, você vivencia a visita surpresa que me fez e ainda regride para algumas situações anteriores.

O nome dela é Laura. Curiosa com a situação resolve se aprofundar no seu caso, talvez para descobrir uma nova patologia psíquica, talvez porque ela acredita no incomum, mas para você não importa.

Você começa a freqüentar o consultório dela e após algumas técnicas ela sugere que você interaja comigo em uma das vivências. Uma técnica que é usada por alguns terapeutas para substituir um pensamento traumático no subconsciente, o que não se torna verdade obviamente, apenas anula a situação anterior, mas Laura dentro de suas pesquisas pensou ser uma técnica válida. Ela te regrediu á visita surpresa novamente.

- Re, eu sei que vai parecer loucura, mas amanhã você vai sumir!

- O que?

- Juro que vai... sem deixar rastros.

- Como assim? Como sumir? Ta louco?

- Você é a única prova que eu não estou louco, mas o problema é que você está agora na minha mente e fora daqui eu não posso te encontrar!

- Você ta me assustando!

Então Laura induz você a ir deixando o estado hipnótico, ela está disposta a fazer mais testes e ainda não havia decidido sobre a veracidade da sua história ou a sua condição mental e só a dúvida dela já confortava.

Ela decide fazer uma terapia intensiva, tem interesse na situação e já não cobra pelas sessões diárias, que deveriam colocar em prova sua sanidade, também não cobra as regressões. Laura continua com a técnica interativa e pede pra você relatar a ultima vez que falou comigo, quarta feira de noite, e depois pede que reviva a situação e vai sugestionando seus passos durante a hipnose. No telefone você me fala

- Rê, você vai desaparecer hoje de noite, eu to indo aí ficar com vc!

- Ás vezes você me assusta com umas coisas que você fala, bem agora que eu me convenci que você é normal!

Já em um estado hipnótico profundo não sabe se você teve uma boa idéia ou se foi a Laura quem sugestionou o diálogo.

- Na verdade isso é uma desculpa pra ver você, to indo te buscar para tomar uma margatita frozen no El Kabong, quer?

- Quero! Mas pra que tudo isso só pra me convidar pra sair? Oxi! É só falar!

- Foi só uma piada sem graça... pra variar, mas então, to saindo daqui.

- Liga quando chegar.

Vamos até o El Kabong de Pinheiros, você parece nervoso e eu pergunto se está bem e você começa a conversar sobre qualquer outra coisa no caminho até que chegamos e sentamos em um sofá confortável daqueles enormes que ficam nos fundos. Então eu começo a contar da minha terapia e você interrompe:
- Testando minha memória, uma vez você me contou que fez guerra de sorvete na sua casa com a Janinne né?

- Contei? Não lembrava disso... mas foi mesmo!

- Como foi?

- Um dia que eu tava de castigo por causa das notas na escola, queria ir na pista de patinação mas meu pai não deixou, então eu, a Janinne e a Regina fomos assistir filme na minha casa. Meu pai tinha saído.

- Regina?

- Foi, ela também estava de castigo. Então fomos com umas bolsas gigantes da Disney no supermercado e roubamos três potes de sorvete da Kibon e umas coberturas. Nem lembro qual era o filme, mas no meio dele já estávamos empanturradas de sorvete e começamos a guerra!

- Ai ai ai

- É! Então começamos a correr pela casa jogando sorvete umas nas outras, na cama, no chão, no espelho do banheiro, armário da cozinha, roupa, cabelo... foi ótimo!

- Aí seu pai matou vocês depois.

- Nada! A gente tomou banho e limpou a casa toda antes dele chegar e ainda tirou fotos antes! Depois te mostro.

E continuamos conversando até tarde, nada anormal acontece, mas você não quer ir embora para casa.

- Escuta, vamos lá na minha casa que eu vou gravar umas músicas que faltaram.

- Hoje?

- É rápido, depois te devolvo.

E antes de levantarmos você ainda fala me abraçando

- Não some!

- Claro que não! Já passamos do terceiro encontro!

Entramos no carro, você dirige para a sua casa e eu começo a passar mal.

- Sei lá, acho melhor eu ir p/ minha casa, não estou muito bem!
- O que você tem?

- To vendo as coisas embaçadas, acho que tô tendo uma crise de pânico meu deus! Vou morrer... não! Não é real!

- Calma, não é real, vou parar o carro.

E você estaciona o carro, precisa fazer uma baliza, e quando volta seus olhos para mim eu já não estou mais lá

- Renata!

Depois de muito tempo você acorda em uma cama desconhecida de um quarto de mulher, olha a sua volta e não entende nada, então levanta, se dirige até a porta e encontra Laura segurando uma xícara de chá.

- Essa vivência foi muito forte pra você! Resolvi te trazer pra minha casa e não foi nada fácil viu? Precisei pedir ajuda para o segurança do consultório e o porteiro do meu prédio. É melhor você se restabelecer antes de voltar para a sua casa. Passa a noite aqui e amanhã te levo, você pega seu carro e voltar.

Você tenta segurar a xícara de chá mas se sente um pouco tonto e Laura o ajuda a sentar-se no sofá da sala. Você está confuso e ela te abraça durante algum tempo e depois vocês se beijam.

Durante o processo da terapia vocês já haviam se envolvido, a pesar de nunca ter percebido nenhum sinal da parte dela anteriormente sempre sentiu-se amparado pela compreensão e presença dela, uma mulher definitivamente interessante.

- Laura, eu estava pensando no que aconteceu hoje – você diz.

- Não pensa hoje, pensa amanhã, tenho algumas idéias, mas hoje é melhor descansar a mente. Vem, vamos dormir.

No outro dia acorda tentando assimilar a quantidade de informações, e ainda, preocupado com a aflição da sua família diante de tantas ausências e o trabalho.

Ainda assim procura Janinne no msn para certificar-se se Regina era o nome da outra menina que estava na guerra de sorvete. Ela te enche de perguntas e por fim, com ajuda de Laura, você a convence a participar de algumas sessões de regressão.

Laura havia começado a escrever uma tese sobre a pesquisa do seu caso, já grava as suas sessões há algum tempo e antes de apresentar o material como uma nova hipótese a ser estudada convence algumas pessoas que poderiam ter algum contato comigo a participarem de sessões de averiguação. Amigas de infância do prédio em que a Janinne morou, como a Bianca, a Bruna e a própria Regina.

Algo impressionante acontece. Poucas pessoas lembram durante a regressão de algumas cenas comigo, outras não lembram nada. A Regina nunca conseguiu regredir até o dia da guerra de sorvete. A Bianca lembrou de um aniversário em que estávamos todas juntas, porém a Janinne vivenciando a mesma data não conseguiu lembrar da minha presença lá.

Mesmo os que lembraram não relataram nenhuma familiaridade comigo após a hipnose. Em uma das sessões a Bruna consegue identificar o meu apartamento no prédio em que passei a infância, ela descreve meus pais e o meu irmão, mas na realidade, no edifício Argel, no 5º andar, nunca havia morado aquela família.

Com o tempo as regressões foram sendo espaçadas. Laura reúne o material mesmo sem ter nada muito concreto e procura publicar mas nunca consegue concluir ou provar o seu trabalho. Consegue apoio de profissionais holísticos que também não ganham credibilidade com suas teses.

Você se recupera do choque, mesmo eu sendo real apenas para você o fato de outros terem lembrado de mim nas regressões não comprova sua insanidade, então sente-se melhor. Retorna ao trabalho e aos seus afazeres. E são tantos que mal pode pensar nos fatos incompreendidos. E nem quer.

Com o tempo se afasta dos envolvidos na história mas procura manter contato com Laura para acompanhar sua tese, até que descobre que ela também desistiu por falta de provas e credibilidade.

Tudo caminha bem na editora, você trabalha por três anos e além de muitos projetos realizados, ganha muito dinheiro. Então se sente estafado e resolve estudar francês em Paris e depois conhecer a Europa.

Prepara as malas, documentos, compra um guia e parte em viagem. Após dois meses de curso traça um roteiro, faz reserva nos melhores hotéis e viaja conhecendo todos os países da Europa que te parecem interessantes.

Está andando em Ravena, na Itália a procura de um café e quando passa por uma praça perde o ar, o coração dispara e a visão embaça. Você vê alguém muito parecida comigo sentada em um banco, lendo um livro. Tão parecida que parece irreal. Aproxima-se.

Talvez o reflexo do sol. Talvez o perfil. Para na minha frente, e eu tiro os olhos do livro e olho você.

- Renata!

- Oi! Espera, espera... já to lembrando de você!

- Lembra?

- A minha memória é horrível, mas sei que te conheço... de onde?

- O que você está fazendo aqui?

- Na praça?

- Em Ravena.

- Eu sempre estive aqui! Como assim?

Então você respira fundo, pensa por um minuto e decide.

- Desculpa, na verdade eu lembro de você mas não de quem te apresentou, achei que poderia ser até do Brasil! Porque já sabia que era brasileira.

- Engraçado mesmo... porque também lembro de você, mas do Brasil só se for em algum período de férias, só estive lá duas vezes, assim que nasci a minha família já se mudou pra cá. Você está aqui só conhecendo?

- Eu estava em Paris, agora estou conhecendo uns outros lugares e depois pretendo ir pra Londres fazer um curso e morar um tempo lá, acho que fico por lá...

- Ah é? Eu estou indo em novembro pra Londres fazer um mestrado, devo ficar por lá uns dois anos!

- Hey! Quer ir tomar um café comigo?
- Vamos! Adoro café.

- Eu sei...

- Sabe?

- Você tem cara de quem gosta de café e de margarita frozen.

- E gosto mesmo!

- Vi um bar mexicano aqui perto... que tal?

- Tudo bem... mas ainda você vai ficar me devendo o café, hem?

- Devo. Claro.

Um comentário:

  1. hahahaha! AMEI!
    mas olha sò... na guerra de sorvete tinha eu tbm... e talvez a Bru!
    e entao vc sempre morou em Ravenna?
    adoro sua criatividade Re! vc tem que trabalhar com isso!!!!

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